MACONHA: PLANTA SAGRADA, RECREATIVA OU VÍCIO ?
Já tem um tempo que ando querendo compartilhar as minhas reflexões sobre
a adorada/odiada erva, em função do movimento que venho observando em relação à
sua legalização.
Antes de expor minhas opiniões, gostaria de dizer que estas ideias são
fruto dos meus 61 anos de vida, 40 anos como estudioso, pesquisador e
praticante da espiritualidade, um bom tempo como usuário de cannabis, algum
tempo como ex-usuário e 20 anos como terapeuta.
Nada disso me confere – nem eu pretendo – ser conclusivo nem portador da
verdade, mas acho que minha vivência e experiência me confere algum
conhecimento de causa e alguma isenção para poder refletir sem estar
necessáriamente falando só besteira.
Também não pretendo aqui defender nenhuma posição, nem pró nem contra
nada, apenas refletir e questionar.
A primeira coisa que me chamou à atenção foi a polarização que parece
ter se criado: de um lado os setores que colocam a erva no mesmo saco que as
outras drogas e demonizam tudo exorcizando qualquer possibilidade de diálogo, e
muito menos, de liberação.
Por outro lado, a galera do “grow room” que parece panfletar sua causa
se escondendo atrás das vantagens medicinais da planta (que certamente existem
e está comprovado).
Essa - me perdoe a galera engajada - hipocrisia, me incomodou mais do
que os xiliques xiitas dos caretas histéricos e cannabinofóbicos.
Eu sempre achei que o mais honesto é que o pessoal usuário fizesse sua
campanha pela liberação advogando explícita e abertamente o uso recreativo,
como acontece com o uso do álcool.
Bem, mas minha reflexão vai mais além.
A partir do meu know-how (que coloquei acima, e que, repito, não
pretende ser conclusivo ou dono da verdade), eu percebo que existem 3 formas –
ou 3 motivadores – de se usar a planta (estou excluindo aqui o uso medicinal):
1. O uso sagrado:
Realmente a cannabis sativa (e a indica) é uma planta sagrada em várias
culturas, como por exemplo, na India e na África. Mas até onde eu saiba, o uso
sagrado de plantas que alteram o estado de consciência, é restrito a cerimônias
e rituais (ou a settings terapêuticos) para fins de cura e de expansão da
consciência. E isso configura um uso esporádico. Ninguém faz cerimônias e
rituais todo dia. E com certeza uma cannabis cheia de agrotóxicos e de energia
de crime, como a que é vendida pelo tráfico, não se prestaria a trabalhos
espirituais e terapêuticos.
No próprio âmbito das plantas sagradas, das plantas de poder, como o
ayahuasca, já vi muita gente usando a planta no dia-a-dia fora do contexto
ritual, numa explícita "troca de droga", tipo "não cheiro mais
cocaína, não bebo mais, mas encho a cara dessa planta porque ela é sagrada,
então tudo bem".
2. Uso recreativo:
Como o nome diz, uso recreativo é quando se usa alguma substância
alteradora da consciência em situações de lazer. Tipo fumar um para ir a um
show ou a uma festa, por exemplo, como muita gente faz com as bebidas. Isso
também configura um uso esporádico. Ninguém vai à festa e show todo dia nem
está o tempo todo de férias. E o termo uso recreativo também não significa que
representa necessáriamente um conceito totalmente inócuo, pois muita gente se
tornou alcoólatra (ou viciado em cocaína) a partir do uso recreativo. E o uso
diário de qualquer substância com alcalóides de alguma forma, em algum tempo,
traz danos à saúde.
3. Dependência química:
Como toda substância que possui alcalóides, a cannabis promove alguma
dependência. Provavelmente não física, mas com certeza psicológica. E esta
muitas vezes é mais difícil de tratar e curar do que a física, a exemplo da
cocaína e do tabaco que produzem uma profunda dependência psicológica (além de
produzirem ao longo de muito tempo de uso, também dependência física).
Como grande parte dos usuários de cannabis são usuários diários, podemos
ver que este tipo de uso não se encaixa nem em uso sagrado nem em uso
recreativo.
O uso diário de substâncias que alteram o estado de consciência (e não
importa se é cannabis, tabaco, álcool ou cocaína) vem geralmente atender, não à
expansão da consciência ou a cura, mas à fuga e a anestesia de sofrimentos da
mente e da alma.
Ninguém altera constantemente (e impunemente) seu estado de consciência
por razão nenhuma, ou apenas para se recrear.
Ignorar este fato é desconhecer o básico do funcionamento do ser humano,
da sua psique e da sua espiritualidade.
E me parece que enquanto não se tiver coragem de encarar, expor e
questionar abertamente esse fato, vai-se continuar sem se conseguir acessar que
dores são essas que fazem com que se precise usar constantemente substâncias
inebriantes para se anestesiar, para amenizar a dor. E obviamente, enquanto se
anestesia, não se cura.
Enquanto uma substância funcionar como muleta para se sobreviver sem
sofrer (e muitas vezes isso é sutil ou inconsciente), ou para se ser mais
criativo ou produtivo (você consegue apreciar a natureza, ouvir musica, fazer
amor, pintar, compor, sem fumar?) a verdadeira liberdade não é possível.
É mais rápido (e mais volátil) produzir o efeito de fumar um baseado do
que conquistar, por exemplo, os resultados da meditação ou das terapias.
E vai se continuar a gastar muito neurônio e muita saliva para se
continuar tecendo e expondo a tão conhecida teia de argumentações no sentido de
convencer aos outros (e a si mesmo) que tudo bem fumar todo o dia, porque
afinal de contas, maconha faz menos mal do que cigarro e bebida e é melhor do
que tarja preta...
É importante salientar também que o conceito do que seja “droga” pode
ser extendido a muitas atividades consideradas saudáveis, quando elas se tornam
instrumentos de anestesia e compulsão.
Hoje, por exemplo, temos instituições tipo AA para comedores
compulsivos, sexólatras, malhadores de academia, usuários de games e informática,
etc.
Então, legalizar sim. Mas com coragem, honestidade e humildade para se
olhar para a sua própria sombra. Só assim a cura e o crescimento acontecem.
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