quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

MACONHA: PLANTA SAGRADA, RECREATIVA OU VÍCIO ?


Já tem um tempo que ando querendo compartilhar as minhas reflexões sobre a adorada/odiada erva, em função do movimento que venho observando em relação à sua legalização.


Antes de expor minhas opiniões, gostaria de dizer que estas ideias são fruto dos meus 61 anos de vida, 40 anos como estudioso, pesquisador e praticante da espiritualidade, um bom tempo como usuário de cannabis, algum tempo como ex-usuário e 20 anos como terapeuta.


Nada disso me confere – nem eu pretendo – ser conclusivo nem portador da verdade, mas acho que minha vivência e experiência me confere algum conhecimento de causa e alguma isenção para poder refletir sem estar necessáriamente falando só besteira.


Também não pretendo aqui defender nenhuma posição, nem pró nem contra nada, apenas refletir e questionar.


A primeira coisa que me chamou à atenção foi a polarização que parece ter se criado: de um lado os setores que colocam a erva no mesmo saco que as outras drogas e demonizam tudo exorcizando qualquer possibilidade de diálogo, e muito menos, de liberação.


Por outro lado, a galera do “grow room” que parece panfletar sua causa se escondendo atrás das vantagens medicinais da planta (que certamente existem e está comprovado).


Essa - me perdoe a galera engajada - hipocrisia, me incomodou mais do que os xiliques xiitas dos caretas histéricos e cannabinofóbicos.


Eu sempre achei que o mais honesto é que o pessoal usuário fizesse sua campanha pela liberação advogando explícita e abertamente o uso recreativo, como acontece com o uso do álcool.


Bem, mas minha reflexão vai mais além.


A partir do meu know-how (que coloquei acima, e que, repito, não pretende ser conclusivo ou dono da verdade), eu percebo que existem 3 formas – ou 3 motivadores – de se usar a planta (estou excluindo aqui o uso medicinal):


1. O uso sagrado:
Realmente a cannabis sativa (e a indica) é uma planta sagrada em várias culturas, como por exemplo, na India e na África. Mas até onde eu saiba, o uso sagrado de plantas que alteram o estado de consciência, é restrito a cerimônias e rituais (ou a settings terapêuticos) para fins de cura e de expansão da consciência. E isso configura um uso esporádico. Ninguém faz cerimônias e rituais todo dia. E com certeza uma cannabis cheia de agrotóxicos e de energia de crime, como a que é vendida pelo tráfico, não se prestaria a trabalhos espirituais e terapêuticos.
No próprio âmbito das plantas sagradas, das plantas de poder, como o ayahuasca, já vi muita gente usando a planta no dia-a-dia fora do contexto ritual, numa explícita "troca de droga", tipo "não cheiro mais cocaína, não bebo mais, mas encho a cara dessa planta porque ela é sagrada, então tudo bem".


2. Uso recreativo:
Como o nome diz, uso recreativo é quando se usa alguma substância alteradora da consciência em situações de lazer. Tipo fumar um para ir a um show ou a uma festa, por exemplo, como muita gente faz com as bebidas. Isso também configura um uso esporádico. Ninguém vai à festa e show todo dia nem está o tempo todo de férias. E o termo uso recreativo também não significa que representa necessáriamente um conceito totalmente inócuo, pois muita gente se tornou alcoólatra (ou viciado em cocaína) a partir do uso recreativo. E o uso diário de qualquer substância com alcalóides de alguma forma, em algum tempo, traz danos à saúde.


3. Dependência química:
Como toda substância que possui alcalóides, a cannabis promove alguma dependência. Provavelmente não física, mas com certeza psicológica. E esta muitas vezes é mais difícil de tratar e curar do que a física, a exemplo da cocaína e do tabaco que produzem uma profunda dependência psicológica (além de produzirem ao longo de muito tempo de uso, também dependência física).
Como grande parte dos usuários de cannabis são usuários diários, podemos ver que este tipo de uso não se encaixa nem em uso sagrado nem em uso recreativo.
O uso diário de substâncias que alteram o estado de consciência (e não importa se é cannabis, tabaco, álcool ou cocaína) vem geralmente atender, não à expansão da consciência ou a cura, mas à fuga e a anestesia de sofrimentos da mente e da alma.
Ninguém altera constantemente (e impunemente) seu estado de consciência por razão nenhuma, ou apenas para se recrear.
Ignorar este fato é desconhecer o básico do funcionamento do ser humano, da sua psique e da sua espiritualidade.
E me parece que enquanto não se tiver coragem de encarar, expor e questionar abertamente esse fato, vai-se continuar sem se conseguir acessar que dores são essas que fazem com que se precise usar constantemente substâncias inebriantes para se anestesiar, para amenizar a dor. E obviamente, enquanto se anestesia, não se cura.


Enquanto uma substância funcionar como muleta para se sobreviver sem sofrer (e muitas vezes isso é sutil ou inconsciente), ou para se ser mais criativo ou produtivo (você consegue apreciar a natureza, ouvir musica, fazer amor, pintar, compor, sem fumar?) a verdadeira liberdade não é possível.


É mais rápido (e mais volátil) produzir o efeito de fumar um baseado do que conquistar, por exemplo, os resultados da meditação ou das terapias.


E vai se continuar a gastar muito neurônio e muita saliva para se continuar tecendo e expondo a tão conhecida teia de argumentações no sentido de convencer aos outros (e a si mesmo) que tudo bem fumar todo o dia, porque afinal de contas, maconha faz menos mal do que cigarro e bebida e é melhor do que tarja preta...


É importante salientar também que o conceito do que seja “droga” pode ser extendido a muitas atividades consideradas saudáveis, quando elas se tornam instrumentos de anestesia e compulsão.


Hoje, por exemplo, temos instituições tipo AA para comedores compulsivos, sexólatras, malhadores de academia, usuários de games e informática, etc.


Então, legalizar sim. Mas com coragem, honestidade e humildade para se olhar para a sua própria sombra. Só assim a cura e o crescimento acontecem.


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