“VOCÊ NÃO
ESTÁ AQUI PARA SALVAR O MUNDO, O MUNDO É QUE ESTÁ AQUI PARA SALVAR VOCÊ”.
Vi esta
frase semana passada no Facebook, que se não me engano era de algum mestre
oriental.
E esta frase
suscitou reflexões que me convidaram a coloca-las no papel e a compartilha-las
aqui.
Dentre as muitas
coisas que só compreendi com a maturidade, uma delas é a enorme beleza e
importância do impulso natural dos jovens de quererem salvar o planeta, de
quererem mudar e melhorar a humanidade.
Eu pertenci
a um nicho da minha geração que também pretendia mudar a consciência das
pessoas e salvar a Terra.
Mais na
frente, experimentei alguma decepção por não ter conseguido.
Mas adiante
ainda, surgiu um sentimento de como seria inútil e quase infantilmente ridícula
essa pretensão.
E só muito
recentemente tive o insight de que esta atitude dos jovens – a de quererem
mudar o mundo e transformar o ser humano – é absolutamente necessária e
fundamental para se manter a dinâmica evolutiva do movimento sócio-antropológico
(e claro, psicológico, emocional e espiritual também) da humanidade.
É esta força
e idealismo – característica constitucional e visceral dos jovens conscientes,
bem intencionados e pró-ativos – que vai podando o velho e fazendo emergir o
novo, num importantíssimo movimento de reciclagem.
Só os
jovens, que tem a força e a vitalidade da juventude, o frescor da vida e o pouco
passado e muito futuro, é que podem (e devem) ser a força motriz desse
movimento, geração após geração.
É como fazer
o trabalho de extrair da terra um diamante bruto e limpá-lo das impurezas para
expô-lo ao Sol e aos nossos olhos.
Mas só a
maturidade – etária, existencial, intelectual e emocional - é que vai poder
lapidar este diamante. Muito passado e pouco futuro dão (ou deveriam dar)
ponderação, sabedoria, prudência, equanimidade, serenidade, discernimento.
E essa
maturidade é que tem as ferramentas e os subsídios para efetivamente fazer o
também fundamental trabalho de se mudar e melhorar o mundo interno. E é na
maturidade que se compreende na prática - porque se constatou com a experiência
- que não se muda nada fora sem se mudar dentro, e que o externo é apenas um
laboratório, uma escola, para que se possa acessar e melhorar o interno.
E o conflito
das gerações é que é o combustível (e a tensão) dessa engrenagem. Os jovens
querendo mudar e os velhos querendo manter.
Esse
“cabo-de-guerra” é a própria expressão do exercício que acaba trazendo,
geralmente, a auto-regulação necessária.
Uma auto-regulação
que harmoniza e equilibra o ímpeto guerreiro e impulsivo dos jovens, com o
enraizamento - ora acomodado e receoso das mudanças, ora sábio e prudente – dos
mais velhos.
Aí
passo-a-passo o velho vai sendo substituído pelo novo.
Esse
“cabo-de-guerra”, o chamado conflito de gerações, fala sobretudo da
característica fundamentalmente importante dos jovens de pensarem e fazerem
diferente da geração anterior.
É claro que
estou generalizando, pois estou procurando ter um olhar mais panorâmico. Sei
perfeitamente que os processos são muito mais complexos. Muitos erros, percalços
e mudanças de rotas acontecem ao longo do caminho (e é desejável que aconteçam
para poder haver mais aprendizado).
Mas no
cômputo geral, o que acaba importando mesmo, é o quanto estas dinâmicas - nem
sempre harmoniosas e pacificas - são fundamentais para manter a engrenagem do
samsara rodando. Manter a espiral da Criação crescendo, evoluindo e
constantemente se expandindo.
Pertenci a
um segmento da minha geração – a chamada geração aquariana - que com certeza
foi muito emblemático: a geração dos anos 70, do tempo da ditadura, e que optou
por trilhar os caminhos emergentes da contracultura, do movimento hippie, e
mais adiante, do nascimento da cultura alternativa – o inicio da consciência
ecológica, das terapias naturais, da espiritualidade oriental, da agricultura
orgânica, das comunidades rurais, da alimentação natural.
Talvez tenha
sido uma das gerações que mais teve esse foco e este sentimento de estar
surfando uma onda pioneira, uma vanguarda que ia fazer uma grande diferença no
planeta.
E até fez
mesmo. Não exatamente como a gente sonhava e esperava, mas esta geração foi,
sem dúvida, a sementeira de uma consciência e uma praxis que hoje está
amplamente disseminada no dia-a-dia população (infelizmente ainda não na massa
miserável) e na mídia.
Hoje, por
exemplo, a agricultura orgânica é uma das atividades que mais cresce no mundo,
hoje temos yoga, meditação, homeopatia, acupuntura e reiki em muitos serviços
públicos de saúde, coisas estas que há quase meio século atrás eram apenas papo
de cabeludo hipponga utópico e sonhador.
E dentre
alguns equívocos que, na minha opinião, foram cometidos por grande parte desse
segmento da minha geração, foi o de querer moldar os filhos para que seguissem
o mesmo caminho.
Afinal, nós
éramos (perdão, nos considerávamos) a elite do planeta, o povo (finalmente!)
consciente que estava acima caretice da burguesia consumista, carnívora e
urbana. Nós nos sentíamos os escolhidos para inaugurar uma Nova Era!
E com toda a
nossa boa intenção e idealismo procuramos “fazer a cabeça” da filharada, pois
em nosso coração era óbvio que nossos filhos quereriam seguir nossos passos,
porque, afinal de contas, estávamos fazendo aquilo que era o “melhor” e o “mais
certo”. Havíamos descoberto a pólvora que salvaria o planeta.
Ou seja, estávamos
morando na roça em comunidades, comendo natural, meditando e fazendo yoga,
plantando orgânico e vivendo uma vida simples, pacífica e sem consumismo. Tudo,
óbviamente, coisas super bacanas e verdadeiras.
Só... que
isso era a nossa opção, estas eram as escolhas de nós, adultos.
O tempo foi
passando, as crianças foram crescendo e foram tendo vontades próprias, tendo outros
interesses, outras demandas, outras curiosidades. E foram sendo “contaminadas” pelo
“vírus sócio-antropológico” de fazer diferente da geração anterior para cumprir
seu papel de continuar movendo a roda.
E hoje,
quase meio século depois, vejo que apenas uma minoria das crianças daquela
geração seguiu o mesmo caminho dos pais.
É bem
verdade também, que uma minoria dos pais continuou seguindo estritamente o
mesmo modus vivendi de outrora.
E com meus
filhos não foi diferente (nem comigo). Em um primeiro momento me senti meio
decepcionado comigo, fiquei sentindo que eu tinha sido pouco focado, pouco
disciplinado, pouco virtuoso. Me senti como se tivesse sido pouco competente,
pouco coerente, porque meus filhos não seguiram, claro, estritamente os meus
passos, a minha filosofia e ideologia.
E aí, como
muitos (talvez a maioria) da minha geração “drop out”, por causa dos filhos,
por causa da vontade deles de experimentar o mundo e de terem as suas próprias
escolhas e oportunidades, saí da roça e voltei para a cidade.
Em um primeiro
momento foi como uma derrota, quase uma traição aos meus princípios.
Mas aos
poucos fui entendendo uma outra dinâmica, uma outra forma de olhar o processo.
A “quebra” dos meus princípios e escolhas ocasionada pelas demandas dos filhos,
trouxe um imenso, amplo e profundo aprendizado de maturidade, de humildade, de
neutralidade e de flexibilidade, e isso foi o estopim de muitos importantes upgrades
em minha vida.
E no frigir
dos ovos, me tornei uma pessoa saudável e humanamente comum (não mais a elite
salvadora do planeta, mas ainda mantendo a essência do que eu acreditava e
praticava), e meus filhos, que não moram na roça, não são ligados em filosofia
oriental nem professam nenhum “credo” alternativo, foram profundamente marcados
pelo que, na verdade, é muito mais importante do que o lugar onde se mora, a
roupa que se usa, a musica que se ouve e a comida que se come: foram
profundamente forjados na consciência do bom caráter, da ética, da moral, da
compreensão do karma, do respeito à vida, aos outros, à Mãe Terra e ao que cada
um deles entende como sendo Deus.
E eu, da
minha parte, observo com carinho (e com vibrante torcida) os jovens
alternativos de hoje que são o “eu ontem” tentando mais uma vez salvar o
planeta e a humanidade. E espero viver o suficiente para quando eles forem o
“eu hoje” nós possamos conversar e trocar as nossas ricas vivências e experiências.
E foi muito
bom ter conseguido - apesar de, durante algum tempo, ter tentado fazer meus filhos
seguirem meu estilo de vida (e de algum dissabor inicial quando percebi que não
tinha exatamente conseguido da forma como pretendia) - não fomentar excessivos
conflitos de gerações. Com certeza o “gap” entre eles e eu foi muito menor do
que o que existia entre meu pai e eu, e isso, com certeza, já foi um grande
ganho para todos. E provavelmente, espero, para o planeta e para a humanidade
também.
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