quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

“VOCÊ NÃO ESTÁ AQUI PARA SALVAR O MUNDO, O MUNDO É QUE ESTÁ AQUI PARA SALVAR VOCÊ”

“VOCÊ NÃO ESTÁ AQUI PARA SALVAR O MUNDO, O MUNDO É QUE ESTÁ AQUI PARA SALVAR VOCÊ”.

Vi esta frase semana passada no Facebook, que se não me engano era de algum mestre oriental.
E esta frase suscitou reflexões que me convidaram a coloca-las no papel e a compartilha-las aqui.
Dentre as muitas coisas que só compreendi com a maturidade, uma delas é a enorme beleza e importância do impulso natural dos jovens de quererem salvar o planeta, de quererem mudar e melhorar a humanidade.
Eu pertenci a um nicho da minha geração que também pretendia mudar a consciência das pessoas e salvar a Terra.
Mais na frente, experimentei alguma decepção por não ter conseguido.
Mas adiante ainda, surgiu um sentimento de como seria inútil e quase infantilmente ridícula essa pretensão.
E só muito recentemente tive o insight de que esta atitude dos jovens – a de quererem mudar o mundo e transformar o ser humano – é absolutamente necessária e fundamental para se manter a dinâmica evolutiva do movimento sócio-antropológico (e claro, psicológico, emocional e espiritual também) da humanidade.
É esta força e idealismo – característica constitucional e visceral dos jovens conscientes, bem intencionados e pró-ativos – que vai podando o velho e fazendo emergir o novo, num importantíssimo movimento de reciclagem.
Só os jovens, que tem a força e a vitalidade da juventude, o frescor da vida e o pouco passado e muito futuro, é que podem (e devem) ser a força motriz desse movimento, geração após geração.
É como fazer o trabalho de extrair da terra um diamante bruto e limpá-lo das impurezas para expô-lo ao Sol e aos nossos olhos.
Mas só a maturidade – etária, existencial, intelectual e emocional - é que vai poder lapidar este diamante. Muito passado e pouco futuro dão (ou deveriam dar) ponderação, sabedoria, prudência, equanimidade, serenidade, discernimento.
E essa maturidade é que tem as ferramentas e os subsídios para efetivamente fazer o também fundamental trabalho de se mudar e melhorar o mundo interno. E é na maturidade que se compreende na prática - porque se constatou com a experiência - que não se muda nada fora sem se mudar dentro, e que o externo é apenas um laboratório, uma escola, para que se possa acessar e melhorar o interno.
E o conflito das gerações é que é o combustível (e a tensão) dessa engrenagem. Os jovens querendo mudar e os velhos querendo manter.
Esse “cabo-de-guerra” é a própria expressão do exercício que acaba trazendo, geralmente, a auto-regulação necessária.
Uma auto-regulação que harmoniza e equilibra o ímpeto guerreiro e impulsivo dos jovens, com o enraizamento - ora acomodado e receoso das mudanças, ora sábio e prudente – dos mais velhos.
Aí passo-a-passo o velho vai sendo substituído pelo novo.
Esse “cabo-de-guerra”, o chamado conflito de gerações, fala sobretudo da característica fundamentalmente importante dos jovens de pensarem e fazerem diferente da geração anterior.
É claro que estou generalizando, pois estou procurando ter um olhar mais panorâmico. Sei perfeitamente que os processos são muito mais complexos. Muitos erros, percalços e mudanças de rotas acontecem ao longo do caminho (e é desejável que aconteçam para poder haver mais aprendizado).
Mas no cômputo geral, o que acaba importando mesmo, é o quanto estas dinâmicas - nem sempre harmoniosas e pacificas - são fundamentais para manter a engrenagem do samsara rodando. Manter a espiral da Criação crescendo, evoluindo e constantemente se expandindo.
Pertenci a um segmento da minha geração – a chamada geração aquariana - que com certeza foi muito emblemático: a geração dos anos 70, do tempo da ditadura, e que optou por trilhar os caminhos emergentes da contracultura, do movimento hippie, e mais adiante, do nascimento da cultura alternativa – o inicio da consciência ecológica, das terapias naturais, da espiritualidade oriental, da agricultura orgânica, das comunidades rurais, da alimentação natural.
Talvez tenha sido uma das gerações que mais teve esse foco e este sentimento de estar surfando uma onda pioneira, uma vanguarda que ia fazer uma grande diferença no planeta.
E até fez mesmo. Não exatamente como a gente sonhava e esperava, mas esta geração foi, sem dúvida, a sementeira de uma consciência e uma praxis que hoje está amplamente disseminada no dia-a-dia população (infelizmente ainda não na massa miserável) e na mídia.
Hoje, por exemplo, a agricultura orgânica é uma das atividades que mais cresce no mundo, hoje temos yoga, meditação, homeopatia, acupuntura e reiki em muitos serviços públicos de saúde, coisas estas que há quase meio século atrás eram apenas papo de cabeludo hipponga utópico e sonhador.
E dentre alguns equívocos que, na minha opinião, foram cometidos por grande parte desse segmento da minha geração, foi o de querer moldar os filhos para que seguissem o mesmo caminho.
Afinal, nós éramos (perdão, nos considerávamos) a elite do planeta, o povo (finalmente!) consciente que estava acima caretice da burguesia consumista, carnívora e urbana. Nós nos sentíamos os escolhidos para inaugurar uma Nova Era!
E com toda a nossa boa intenção e idealismo procuramos “fazer a cabeça” da filharada, pois em nosso coração era óbvio que nossos filhos quereriam seguir nossos passos, porque, afinal de contas, estávamos fazendo aquilo que era o “melhor” e o “mais certo”. Havíamos descoberto a pólvora que salvaria o planeta.
Ou seja, estávamos morando na roça em comunidades, comendo natural, meditando e fazendo yoga, plantando orgânico e vivendo uma vida simples, pacífica e sem consumismo. Tudo, óbviamente, coisas super bacanas e verdadeiras.
Só... que isso era a nossa opção, estas eram as escolhas de nós, adultos.
O tempo foi passando, as crianças foram crescendo e foram tendo vontades próprias, tendo outros interesses, outras demandas, outras curiosidades. E foram sendo “contaminadas” pelo “vírus sócio-antropológico” de fazer diferente da geração anterior para cumprir seu papel de continuar movendo a roda.
E hoje, quase meio século depois, vejo que apenas uma minoria das crianças daquela geração seguiu o mesmo caminho dos pais.
É bem verdade também, que uma minoria dos pais continuou seguindo estritamente o mesmo modus vivendi de outrora.
E com meus filhos não foi diferente (nem comigo). Em um primeiro momento me senti meio decepcionado comigo, fiquei sentindo que eu tinha sido pouco focado, pouco disciplinado, pouco virtuoso. Me senti como se tivesse sido pouco competente, pouco coerente, porque meus filhos não seguiram, claro, estritamente os meus passos, a minha filosofia e ideologia.
E aí, como muitos (talvez a maioria) da minha geração “drop out”, por causa dos filhos, por causa da vontade deles de experimentar o mundo e de terem as suas próprias escolhas e oportunidades, saí da roça e voltei para a cidade.
Em um primeiro momento foi como uma derrota, quase uma traição aos meus princípios.
Mas aos poucos fui entendendo uma outra dinâmica, uma outra forma de olhar o processo. A “quebra” dos meus princípios e escolhas ocasionada pelas demandas dos filhos, trouxe um imenso, amplo e profundo aprendizado de maturidade, de humildade, de neutralidade e de flexibilidade, e isso foi o estopim de muitos importantes upgrades em minha vida.
E no frigir dos ovos, me tornei uma pessoa saudável e humanamente comum (não mais a elite salvadora do planeta, mas ainda mantendo a essência do que eu acreditava e praticava), e meus filhos, que não moram na roça, não são ligados em filosofia oriental nem professam nenhum “credo” alternativo, foram profundamente marcados pelo que, na verdade, é muito mais importante do que o lugar onde se mora, a roupa que se usa, a musica que se ouve e a comida que se come: foram profundamente forjados na consciência do bom caráter, da ética, da moral, da compreensão do karma, do respeito à vida, aos outros, à Mãe Terra e ao que cada um deles entende como sendo Deus.
E eu, da minha parte, observo com carinho (e com vibrante torcida) os jovens alternativos de hoje que são o “eu ontem” tentando mais uma vez salvar o planeta e a humanidade. E espero viver o suficiente para quando eles forem o “eu hoje” nós possamos conversar e trocar as nossas ricas vivências e experiências.
E foi muito bom ter conseguido - apesar de, durante algum tempo, ter tentado fazer meus filhos seguirem meu estilo de vida (e de algum dissabor inicial quando percebi que não tinha exatamente conseguido da forma como pretendia) - não fomentar excessivos conflitos de gerações. Com certeza o “gap” entre eles e eu foi muito menor do que o que existia entre meu pai e eu, e isso, com certeza, já foi um grande ganho para todos. E provavelmente, espero, para o planeta e para a humanidade também.


Nenhum comentário:

Postar um comentário