domingo, 15 de outubro de 2017

SOBRE LER. TER RAZÃO OU COMPREENDER?


Eu fico cada vez mais perplexo com a dificuldade (e às vezes com a incapacidade) que a maioria das pessoas tem, primeiro de efetivamente ler um texto, depois de lê-lo tentando realmente entender o que o autor quis dizer.

E aí fico me lembrando de duas frases muito presentes na minha vida: uma do McLuhan que dizia que “pode haver um abismo entre o que uma pessoa disse e o que a outra entendeu”; e a outra de um antigo professor que sempre dizia “você quer ser feliz ou ter razão?”.

Uma das coisas que mais procuro despertar e incutir em meus alunos de formação de terapeutas, é o que eu chamo exatamente de “escuta terapêutica”, ou seja, eu te ouço procurando não ficar pensando no que vou responder. Pois só assim eu posso efetivamente te ouvir, e dessa forma, realmente poder conseguir te compreender.

Os índios, aliás, já tinham essa percepção, por isso os nativos do norte criaram o “bastão da fala”.

Este tipo de escuta, aliás, deveria funcionar para qualquer tipo de relação interpessoal.

Pois fora isso, não existe a menor possibilidade de compreensão e entendimento real, e fica-se transitando na órbita do julgamento, da crítica, do achismo, do ter que ter razão, do ter que estar certo e o outro errado.

A grande maioria dos problemas relacionais, e até das guerras, acabam tendo, direta ou indiretamente, como origem, essa indisponibilidade para uma escuta (ou uma leitura) onde tentar entender o que o outro quer dizer acaba sendo menos importante do que ter razão e estar certo.

E é assim que a maioria lê. Para ter razão e fazer prevalecer as suas opiniões e as suas verdades. E dane-se o que o outro quis dizer.

E, claro, acaba acontecendo, entre outras coisas, o surreal fato do outro frequentemente ler teu texto e “concluir” o que você não disse nem quis dizer...

Fico realmente pasmo com a quase impossibilidade que muitas pessoas parecem ter em se desapegar momentaneamente dos seus conceitos e das suas verdades e assumir uma posição mais isenta, mais neutra, mais receptiva, para poder realmente estar na plena escuta (ou na plena leitura), para efetivamente poder tentar entender o que o outro está querendo dizer.

Mas o que rola mesmo, é que a maioria fica, via de regra, freudianamente transformando o texto em uma ferrenha disputa de “quem está certo”, ou melhor, na frenética imposição da “conclusão” de que “você está errado”.

E o Facebook parece expor e exacerbar bastante este fato.

E isso acaba sendo, infelizmente, a origem de muitos ódios e brigas.
IDEOLOGIA OU IDENTIDADE ?

Gente, bizarro esse papo agora de uma galera dizer que "ideologia de gênero" é coisa de comunista.

Fico me lembrando dos idos de 69 quando a ditadura dizia que as drogas faziam parte de um complô dos comunistas para desestabilizar o sistema .

O surreal era que simultaneamente a esquerda dizia que as drogas eram implantadas pela direita para alienar os jovens...

Será que tem sempre que ter um culpado ideológico por tudo aquilo que ameaça a "estabilidade" do sistema e da sua moral e "bons costumes"?

A invenção, por parte da direita, da "ideologia de gênero" (que na verdade é identidade de gênero), reflete o profundo incomodo que o mundo conservador e reacionário sempre experimenta e expressa (geralmente raivosamente) toda a vez que a sociedade quebra velhos padrões de comportamento e estabelece novos hábitos e paradigmas.

Assim foi, por exemplo, quando libertaram os escravos, quando a mulher pode votar, quando a mulher passou a usar biquíni e mini-saia, quando o advento da pílula libertou sexualmente as mulheres, com a arte moderna, com o rock e o movimento hippie, e por aí vai.

Então esperneiem bastante Srs. e Sras. conservadores, porque muitos desafios vem por aí para sacudir vocês e a sociedade.

Não só em relação à identidade de gênero, como também em relação aos novos modelos de família que estão surgindo, a liberação da maconha, etc.

E esses movimentos são cultural e sociologicamente tão intensos, profundos e transformadores, que nenhum Trump nem Bolsonaro vão conseguir impedir.

Esperneiem pois, e continuem, como já é de praxe, botando a culpa na esquerda.